segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Príncipe (des)Encantado

Por Letícia Barros, Coord. Executiva de Média Complexidade
Departamento de Proteção Especial
 
Nasci menina e desde pequena aprendi a brincar de casinha, de boneca e gostava, também, de ouvir estórias, aquelas de contos de fadas. No entanto, nunca sonhei em ser Cinderela, nem Bela Adormecida.

Cresci compreendendo que a vida tem momentos  bons e ruins, mas que é preciso sonhar, lutar, acreditar e não desistir jamais.
Ser mulher, para mim, sempre foi motivo de muito orgulho. Tive contato com muitas mulheres que considero como meus exemplos. A começar pela minha mãe, que estudou, sempre trabalhou, educou os filhos, foi esposa e cuidou da casa. Sempre encarando desafios e superando dificuldades. Lembro-me também de minha avó, de minhas tias…

Apesar de ter um quintal lindo para brincar – com casinha de boneca, bichos para cuidar e muitos brinquedos – não posso me esquecer que por ter morado ao lado da delegacia de polícia, cresci com uma angústia muito grande e uma dúvida constante: porque existe a violência?

Às vezes durante a madrugada, eu ouvia gritos, gente apanhando – seria tortura? Uma dúvida que ninguém nunca me respondeu, porque quando chegava o dia, as pessoas falavam que nada havia acontecido.

Não compreendia muito o contexto histórico-político do nosso país, mas me recordo que torci pelas Diretas Já, pela elaboração da Constituição Federal e inclusive, vibrei com a possibilidade de tirar o título de eleitor e votar pela primeira vez aos 16 anos.
Considero que consegui ser uma pessoa normal, dentro dos padrões da sociedade, afinal, frequentei uma escola, consegui ter uma profissão, uma carteira de trabalho e ser reconhecida como cidadã. O destino e a vocação me levaram a ser assistente social, uma profissão formada em sua maioria, por mulheres.

Foi quando tive a necessidade de expor toda minha indignação diante da triste realidade, apresentada por uma sociedade que tanto evoluiu, mas que precisou criar uma Lei para proteger mulheres vítimas de violência doméstica.

Fico envergonhada e me pergunto a que civilização pertencemos, quando ainda hoje temos que ouvir nos noticiários casos como o da advogada Mércia, Eliza Samúdio e tantos outros, que ainda estão no anonimato…

Infelizmente, a violência contra mulher acontece ainda hoje, independente de classe social e raça. Fico pensando que garantia real a Lei Maria da Penha proporciona a uma mulher que precisa de ajuda e proteção para parar de sofrer violência, mas que precisa pensar em como conseguirá sobreviver, com quem poderá contar,  como conseguirá recomeça. 

Algumas mulheres foram tão violadas, que não lhes resta nem a capacidade de escolha. Outras, não têm sequer tempo de recorrer à Lei Maria da Penha, pois são mortas covardemente.

Pelo menos no Brasil, apesar de tanta violência, já iniciamos a discussão em relação à violência contra mulher.

Penso em todas as mulheres que não tiveram sequer o direito de sonhar, de amar e vivem constantemente a barbárie de um mundo que inverte a civilização, condenando por exemplo, uma mulher ao apedrejamento.

A menina tem o direito de brincar de casinha, ouvir estórias de contos de fadas e sonhar sim, com um amor verdadeiro, assim como o menino também deve brincar de carrinho, futebol etc. Crescidos, homens e mulheres têm o direito de serem respeitados perante a sociedade.

É preciso reaprender o convívio social. É preciso ensinar para muitos homens o poder do diálogo, do respeito, do carinho e da compreensão. Sei que é uma luta difícil, dolorosa e desigual.

Em relação à violência, não nos cabe julgar nenhuma mulher e suas escolhas. Precisamos pregar o respeito, o direito de ser mulher e não podemos nos esquecer de um fato triste, mas real o qual dificulta providências contra o agressor: a mulher que apanha é a mesma que ama.

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